Marcelo Rossi por José Wilker

11/06/2011 18:40

 

 

Jornal/Revista: O Globo

Data de Publicação: 5/3/1995

Autor/Repórter: Simone Magalhães

 

GANHANDO A VIDA NA BASE DO SARCASMO

Às vésperas de completar 50 anos, José Wilker fala de Marcelo, seu personagem em 'A próxima vitima', e diz que não há representação sem sensualidade

Madrugada de muito calor no Rio. Mãos postas em frente ao rosto, José Wilker - elegantíssimo num smoking bem cortado - espera a hora de gravar apenas uma cena de "A próxima vítima", nova novela das oito da Rede Globo, que estréia semana que vem. Com uma calma de fazer inveja a qualquer zen-budista, o ator ajeita os cabelos quase totalmente grisalhos e sorri ao saber pelo diretor Jorge Fernando que ainda "vai demorar um pouquinho" para entrar em cena. "Já estou acostumado", comenta resignado, mas bem-humorado, em meio ao tumulto da gravação da festa pelos dez anos de casamento de seu personagem, Marcelo, com a milionária Francesca Ferreto (Tereza Rachel).

Mas nem sempre foi assim. Wilker já teve fama de rebelde. E até de louco. Só que a proximidade dos 50 anos - que completará em agosto - e a "dura batalha" em mais de 30 anos de profissão, acabaram por abrandá-lo. Tirando partido do olhar sedutor e do charme, aposta no cinismo e na sensualidade para conquistar (quase) todas as mulheres de "A próxima vítima":

- Aprendi a usar bem o charme e a sensualidade para representar. Não sou assim no dia-a-dia. Modesto.

O GLOBO - O Marcelo tem um perfil marcado pelo cinismo e pela sedução. Ele é um mau caráter?

JOSÉ WILKER - O personagem me fascina porque é um cara muito estranho. Não é imoral. É tão auto-referente... Faz coisas que são boas para ele sem se preocupar se são boas para os outros também. Tem uma relação muito afetuosa com os filhos e isso o deixa seguro, achando que está procedendo sempre da melhor forma.

GLOBO - O que o Wilker está emprestando ao Marcelo?

WILKER - Um certo cinismo, uma ironia ... (risos) Freqüentemente, perco o amigo, mas não perco a piada.

GLOBO - E o abuso do poder de sedução?

WILKER - (O ator abaixa a cabeça, depois assume um ar mais sério) E natural a sensualidade na representação para que ela seja interessante. E isso passa pelo olhar, pela postura, por um certo prazer com o próprio corpo, pela forma de tocar as pessoas... Aprendi a usar bem isso para representar e em alguns personagens fica mais evidente. O Marcelo precisa seduzir as pessoas sempre. Ele se acha o máximo.

GLOBO - Nos primeiros capítulos há uma cena tórrida de amor entre seu personagem e a sobrinha Isabela (Cláudia Ohana). Ele joga a moça em cima da bancada da cozinha e...

WILKER - (com o ar mais cínico do mundo) Não foi nada de anormal. Sem malabarismos...

GLOBO - Muitos telespectadores reclamam do excesso de cenas sensuais na TV. O que você acha?

WILKER - É fundamental que as pessoas parem de raciocinar por slogan. Não é a sensualidade na televisão que vai afetar alguma coisa na vida do brasileiro. É evidente que haverá promiscuidade numa casa onde moravam duas pessoas e hoje vivem dez. O mal do país é a violência.

GLOBO - Você tem duas filhas: a Mariana, de 14 anos, e a Isabel, de 9. Como elas se comportam diante do que vêem na TV?

WILKER - Minhas filhas assistem às novelas e temos a preocupação de conversar com elas sobre tudo. E que bom que vejam do lado da mãe e do pai! Incentivamos as críticas, as opiniões... Elas aprenderam a gostar de ler. Um país que não estimula as pessoas às leituras, evidentemente vai contra a TV. Só que não cabe a este veículo ser educativo.

GLOBO - Há dois anos, durante a gravação da minissérie 'Agosto', você disse que estava cansado de emprestar seu charme pessoal a personagens inconsistentes e pensava em deixar a TV. O que mudou?

WILKER - De lá para cá tenho trabalhado com personagens estimulantes, os autores têm sido generosos comigo. Cheguei a pensar que não tinha mais nada a fazer na televisão, mas vieram 'Anos rebeldes', 'Agosto', 'Renascer' e 'Fera ferida' e acabei descobrindo um lado que nunca tinha investigado.

GLOBO - Que lado?

WILKER - Estou ficando cada vez mais exigente com os papéis. Até 'Renascer', eu me recusava a fazer personagens nordestinos. Porque sou nordestino e tinha medo da caricatura, de ficar estigmatizado. Mas 'Renascer' e 'Fera ferida' permitiram ousadias.

GLOBO - Você diria que o Demóstenes de 'Fera ferida' foi seu melhor trabalho na TV?

WILKER -Acho que sim. Mas já fiz muitos papéis dos quais me arrependo. Em novelas procuro sempre me divertir muito, mas houve cenas tão ruins, mas tão ruins, que eu só conseguia fazer de costas (risos)

O GLOBO - Foi nos anos 70, quando diziam que você era louco?

WILKER -(mais risos) Louco era o diretor que deixava eu gravar de costas...

O GLOBO - Mas você está mais sereno. E a proximidade dos 50

WILKER - Nunca me preocupei com isso. Me sinto sempre um adolescente. A Mônica (Torres, mulher do ator) quer dar uma festa monumental. Não sei. Não sairia de casa para ir a uma festa, mas gosto de receber os amigos.

GLOBO - E nenhum sintoma de crise dos 50?

WILKER - Há uns cinco anos, olhei no espelho e pensei: estou ficando velho... Logo depois, me perguntei: 'mas velho como? em que?'. E achei que estava ótimo. Faço uma hora e meia de ginástica como há 20 anos. Faço teatro, TV, escrevo, produzo. Jamais faria uma plástica e acho cabelos brancos lindos. Gosto de ficar ouvindo o tique taque do relógio: é o tempo passando. Há vida nisso.

 

 

 

 

Jornal/Revista: O Globo

Data de Publicação: 5/3/1995

Autor/Repórter:

 

NEM OPERAÇÃO TIRA O ATOR DE CENA

Wilker diz que está cada vez mais exigente

A empolgação com o Marcelo Rossi de "A próxima vítima" é tão grande que nem um polipo das cordas vocais - retirado há cerca de dez dias - impediu José Wilker de continuar as gravações. "É um trabalho de relojoeiro", define. E o ator é minucioso na criação, apesar não acreditar em laboratório. Comentando que está cada vez mais exigente com os tipos que escolhe para interpretar na TV, ele compara seus personagens mais recentes:

- Com o Demóstenes, em 'Fera ferida', havia um tom mais teatral. O Marcelo é o oposto. Com ele, trabalho a sutileza, o silêncio, o jeito de olhar. Uma de suas características mais interessantes é que realiza tudo o que as pessoas desejam secretamente, mas que, por convenção, acabam não fazendo.

Mesmo com a dedicação quase integral ao bon vivant da próxima novela das oito, a vida de José Wilker não se restringe ao Marcelo. Além de estar na peça "A maracutaia", no Teatro Clara Nunes, na Gávea, ele não pára de ler. Está em busca de novos textos para teatro e quer terminar alguns que começou a redigir sobre a História do' Brasil.

- Estou preparando a encenação do meu texto 'O sim pelo não' e quero escrever um painel sobre o período que vai da proclamação da República até a Era Vargas. Gosto da possibilidade de ridicularizar a História oficial deste país - explica.

Leitor voraz, Wilker é muito eclético quando o assunto é literatura. Em casa ou no sítio, em Petrópolis, está sempre às voltas com biografias - como "Chatô", que adorou - ou livros históricos. "Estou lendo sobre a Idade Média, um período bem interessante", conta.

Mas suas duas maiores paixões são mesmo o teatro e o cinema. Ele fica inflamado ao comentar a ausência de uma política cultural efetiva no Brasil. E diz o que espera do novo Governo:

- Deveriam ser criados mecanismos permanentes para captar recursos para o teatro onde eles existem. O que falta para o teatro é uma legislação permanente. O problema são as leis de ocasião.

Em relação ao cinema, Wilker é cético. Lembra do sucesso internacional de "Dona Flor e seus dois maridos" e "Bye bye Brasil", mas ressalta que ficaram restritos a circuitos alternativos.

- Com o cinema é mais complicado: ele vive uma crise de mercado. Se não houver uma associação do cinema com a TV, não vejo solução.